Carta Futura

Brazil, 30 de Agosto de 2026

O golpe aconteceu no meu primeiro ano de faculdade. Eu fazia história. Lembro de ver amigos e colegas revoltados com o cenário brasileiro, ávidos pelo fim do golpe.
Nas ruas dois lados buscavam se expressar. Os pró-golpe tomavam champanhe. Os contra, bala de borracha. A polícia era totalmente militarizada e incapaz de lidar com o povo mas... bom, hoje é pior.
O presidente interino chegou a poder já realizando mudanças nada agradáveis aos que labutam. Seu partido era mestre em subir ao poder sem ser eleito afinal aqui a eleição é mera burocracia. Quem escolhe são eles. Quem estava no poder com ele gostou, principalmente após o golpe, quando ele se tornou o Todo Poderoso.
Logo no começo começaram os cortes. Corta programa de alfabetização, de cesta básica, de moradia, de ensino básico até superior, de saúde e de tudo o que o ser humano precisar. Pobre não têm que ter direito.
As represálias também foram difíceis. Não pode lutar para ser respeitado independente de cor, de religião e de orientação sexual. Não pode lutar pra ser mulher sem apanhar, sem ser estuprada, sem ser assediada. Não pode ser mulher. Se for, e se chegar ao poder, vão te tirar de lá.
Povo que lê é um perigo e eles sabem disso. Os que produzem e repassam conhecimento então... nossa! Antes de terminar a minha graduação a faculdade já tinha sido privatizada e estou pagando o preço disso até hoje.
Foi difícil conseguir emprego porque não existe mais ensino de história, de filosofia e sociologia. Não existe mais pesquisa nem estudo sobre nada que fale de gente. O conhecimento é perigoso e acredite, eles sabem.
Lembro da primeira vez que soube que um amigo apanhou da polícia por ser "revolucionário", segundo disseram. Quem vê pensa que usava boina, vestia vermelho e pregava a luta de classes. Era só um escritor que decidiu não ver problema em publicar uma matéria sobre o sucateamento do ensino público. Hoje ele nem existe mais (o ensino, não meu amigo), mas na época existia.
Hoje temos censura então "ninguém" publica coisa assim. E essa censura não é burra, companheiro. Além disso, nessa vida virtual de hoje, cada passo seu é observada. Até a foto da sua tatuagem de foice e martelo.

Quando eu tinha sua idade sonhava com história e queria pesquisar ditadura. Quando eu tinha sua idade o mundo era vasto e cheio de possibilidades, embora não pra todos. Quando eu tinha sua idade, uma mulher foi eleita para governar o Brasil. Quando eu tinha sua idade, era possível ser contra o governo sem temer. 
Quando eu tinha sua idade ela caiu e, com ela, levou anos de conquista. O trabalhador, a mulher, o pobre, o negro, os indígenas, a comunidade LGBTT, os sindicatos e muitos outros grupos caíram com ela. Quando eu tinha a sua idade, vi o poder surgir em um helicóptero de cocaína.
Com a minha idade, eu não quero mais estudar ditadura. Não porque não acho importante, mas porque vivo.
Queria voltar no tempo pra poder dizer em voz alta mais uma vez: Fica, querida.

Triz

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