Essa é uma crônica que eu escrevi para o Projeto Aether. Espero que gostem ♥
Sabe qual a pior parte das Trevas? Elas mudam você, mudam tudo e todos
ao redor, mesmo sem te tocar.
Eu tinha 15 anos ainda, era só uma menininha assustada, quando as vi
pela primeira vez, bem na frente do meu nariz. Quisera eu saber, naquela época,
o que sei hoje. Anos de preparo me tornaram uma sacerdotisa forte o suficiente
pra vencer sem o menor esforço o que enfrentei 5 anos atrás. Mas o tempo não
volta, só se esvai.
Minha mãe e eu morávamos em uma pequena vila próxima a uma cidade. Na
época meu pai estava servindo o exército do rei em uma guerra que não vem ao
caso. Um dia, enquanto voltávamos de uma feira da cidade, mamãe e eu paramos
para descansar um pouco próximo a um bosque. Em algum momento cochilei e fui
acordada com gritos:
- LIA! LIA!!
Uma névoa negra e densa estava se aproximando de nós e absorvendo a
vida de tudo o que tocava. Trevas. Eu e minha mãe nos levantamos e começamos a
correr para um templo próximo, um lugar seguro.
- Corra depressa, minha filha!
Foi quando aconteceu: Eu caí. Havia um buraco não muito grande mas, no
desespero, acabei não notando e caí. Minha mãe possuía duas pequenas facas,
apenas para corte de carnes, deu uma para mim e tentou me proteger com a outra
enquanto eu levantava.
- Pode ir na frente, eu aguento aqui, meu anjo. Fuja!
Eu corri. Corri muito e me arrependerei eternamente disso. É óbvio que
ela não conseguiria, não por fraqueza mas por falta de preparo. As Trevas
apagam seu coração e destroem sua alma, elas sugam cada traço de vida que
encontram e deixam o ser na miséria, nada mais que uma estrutura vazia e
deplorável. E ela era a mulher mais linda do mundo... Cada vez que ela sorria
seu sangue cigano irradiava em sua pele morena e todos se encantavam e se
rendiam a ela.
Quando olhei para trás, vi que ela se aproximava e relaxei. “Minha mãe
venceu”, pensei. Ledo engano. Quanto mais próximo ela chegava, mais um sentia
cheiro de enxofre e podridão, e então notei bolhas e manchas negras tomando
conta de suas pernas e começando a dominar o braços.
- Lia, corra! Não consigo mais controlar os meus movimentos. – nessa
hora ela soltou sua faca, em um dos últimos esforços contra as trevas
- Não, mamãe, a senhora é forte! Eu não tenho medo da senhora.
- Eu te amo, Lia. – seu pescoço já estava quase todo dominado pelas
Trevas – Você precisa acabar com isso antes que eu vire uma morta-viva. Pelo
seu pai, meu anjo. Por mim. Eu já não existo mais.
Quando seu rosto terminou de ser possuído pela podridão as manchas e
bolhas negras se tornaram da cor da pele dela, mas claramente mais pálidas. Seu
olhos castanhos brilhante se tornaram opacos e até seu cabelo trançado
tornou-se menos vivo. Ela morreu mas era minha mãe.
- Mamãe?!
Sabe quando você fica frente a frente com a morte e seu coração te
força a correr? Quando você sabe que, se demorar um só segundo, tudo vai por
água abaixo? Foi assim. Corri e corri de novo, mas ela estava mais rápida e me
alcançou.
As Trevas no corpo da minha mãe tocaram meu braço e senti ele queimar.
Ela colocou as mãos no meu pescoço e começou a me levantar, me enforcar. Minha
mãe ia me matar mas não era mais a minha mãe.
Algum tempo atrás meu pai havia dado um cordão para minha mãe. Era bem
simples, apenas uma corda verde, mas havia um amuleto amarelo muito bonito.
Acho que era uma pedra que ele conheceu em uma ilha distante. Sempre que ele
viajava dizia “Sempre que o sol estiver brilhando eu estarei pensando em você,
e quando ele se pôr será minha vez de estar no seu coração”.
Nesse pequeno instante em que as trevas tentavam sugar mais uma vida
eu vi o amuleto. Eu lembrei de nossa família e das tortas de morango que minha
mãe costumava fazer quando meu pai voltava de viagem.
Pelo meu pai.
- Eu te amo, mãe.
Foi a coisa mais dolorosa que já fiz na vida mas, não fosse isso, eu
não estaria aqui. Puxei o cordão e enfiei a minha faca no que outrora foi minha
mãe. Na hora a criatura gemeu de dor e senti que a libertei de uma existência
miserável. Quando ela me soltou voltei a correr em direção ao monastério mas
meu braço ainda queimava. Bolhas negras começaram a crescer onde fui agarrada
pela primeira vez.
As Trevas vão tentar te dominar sempre que verem a oportunidade. Você
decide o que está disposto a sacrificar para se livrar delas.
Fiz um corte no meu braço e venci as trevas de uma vez por todas. Um
vapor negro subiu e sumiu no ar, deixando um leve cheiro de morte e desafio no
ar. Continuei correndo e logo atingi o templo, com um braço sangrando e o
amuleto da minha mãe em uma mão.
Até hoje carrego a cicatriz da minha primeira batalha para que possa
lembrar todo dia que estamos em guerra com as Trevas. E ela só acabará quando o
último oponente morrer.
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Beatriz Jakubowski
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